DALI: uma existência fantasmática e erótica
CLAUDETE RIBEIRO
Falar de Salvador Dali exige um conhecimento da sua infância e adolescência. Estudando-se a vida do artista observa-se uma historia completa de fantasias. Com a existência de um irmão morto anterior ao seu nascimento, um pai exigente e complicado e algumas mulheres que substituíram a mãe durante sua fase infantil, podem-se visualizar as fantasias presentes em quase toda a sua obra.
Ele sempre demonstrou ser um gênio acompanhado de um forte egocentrismo, cujas características percorrerão toda a sua vida. Com base nas suas vivências, pode-se observar uma evolução artística presente nas composições fantásticas e eróticas, desde o neo-cubismo ao pré-surrealismo e do seu método Paranóico-Crítico.
Salvador Dali nasceu no dia 11 de maio de 1904, em Figueres, cidade localizada no nordeste da Espanha, situada na província da Cataluña, muito próxima da França, local que lhe permitiu muito contato com o resto da Europa.
imagem 1- Região da Cataluña onde se encontram Cadaques e Figueres, as primeiras cidades de Dali.
O artista é filho de uma família que desfrutava de certa importância local, pois seu pai exercia a função de notário (dono do cartório local).
imagem 2 - Pai do artista em Llané – óleo sobre tela, dimensão desconhecida - 1920.
Ele teve um irmão dez anos mais velho, que morrera de meningite, três anos antes do seu nascimento. Este irmão chamava-se Salvador, como o nome do artista.
imagem 3 – Retrato do meu irmão morto – óleo sobre tela, 175 x 175 cm – 1963.
Do nascimento de Dali em maio de 1904 até janeiro de 1908 quando nasceu a sua irmã, Ana Maria.
imagem 4 - A jovem Ana Maria de costas – óleo sobre tela, 103 x 79,5 cm – 1924 e Personagem à janela - óleo sobre tela, 103 x 65 cm - 1925.
Dali foi mimado como o filho único tão esperado, vindo para suprir a ausência do primogênito, de quem herdou o primeiro nome. Neste período seus pais concretizavam todos os desejos de Dali.
A morte do irmão havia trazido para os pais um profundo sofrimento. Eles o perderam com sete anos de idade e compensaram a sua falta com o nascimento de Dali.
imagem 5 – Foto de Salvador Dali aos 5 anos – 1908-1909.
Os pais sempre comentavam com Dali que o irmão e ele eram muito parecidos, apesar de ambos pensarem de modo muito diferente. O artista se imaginava como um segundo ovo que surgiu na barriga da mãe.
imagem 6 - Ovo estrelado sem o prato - óleo sobre tela, 53 x 46 cm – 1932.
Esta semelhança provocava em Dali as imagens mentais de que se assemelhavam a dois ovos iguais dentro da mãe antes do nascimento, ele e o irmão.
imagem 7 - Arquitetura Surrealista - óleo sobre madeira, 14 x 18 cm – 1932.
Como Dali, o irmão também possuía a morfologia fisiológica de um gênio. Ambos apresentavam sintomas de precocidade, comparação realizada pelos pais. Entretanto, Dali considerava que o irmão tinha um olhar velado pela melancolia, que poderia ser uma característica intransponível pela sua inteligência. Mas apesar de considerar-se menos inteligente do que o irmão morto, afirmava que se diferenciava dele, porque era mais reflexivo.
imagem 8 – Criança geopolítica observa o nascimento do homem novo - óleo sobre tela, 45,7 x 52 cm – 1943.
Dali persistia na idéia de ter lembranças comparativas com o irmão, assim como, gostava de imaginar-se do próprio período pré-natal, quando estava dentro da barriga da mãe. Ele identificava este espaço como um “paraíso”, cuja cor assemelhava-se ao "macio, quente e imóvel como o inferno".
Imagem 9 - Meditação sobre a harpa - óleo sobre tela, 67 x 43 cm – 1932.
Freqüentemente tinha visões sobre o período anterior ao próprio nascimento: era a imagem de dois ovos borbulhando numa frigideira, ele e o irmão dentro do ventre antes da concepção. Esta fantasia exercia nele uma forte atração, era como se tivesse uma alucinação fundamental sobre a sua origem.
Imagem 10 - Ovo estrelado no prato, sem prato - óleo sobre tela, 60,4 x 42 cm – 1932.
Simbolicamente, imaginava a sua existência junto com o irmão dentro da mãe, referindo-se ao espaço que os abrigava, sendo comparado a uma frigideira. Acima deles estava a Ana Maria que depois de algum tempo iria nascer.
Sua educação teve início na escola primária local, onde permaneceu até ser transferido para a Congregação dos Maristas, na condição de internato.
imagem 11 – Eu próprio aos 10 anos, quando era a criança-gafanhoto – complexo de castidade – óleo sobre madeira, 22 x 16 cm – 1922.
Nessa época ele era considerado um rebelde, realizando sempre o contrário do que lhe era proposto. Comportava-se como um garoto anti-social, procedimento realizado para impressionar e chamar a atenção dos outros para si.
Imagem 12 – Auto-retrato - óleo sobre tela, 52 x 45 cm – 1921.
Dali relatou uma passagem da sua infância quando realizava um passeio escolar junto com os colegas de classe escolar. Ele empurrou um companheiro num penhasco com cinco metros de altura, provocando-lhe várias fraturas!
Imagem 13 – Burocrata médio atmosferocéfalo a ordenhar uma harpa craniana – óleo sobre tela, 22 x 16,5 cm - 1933.
Apesar de presenciar a necessidade de socorro e cuidados ao menino, durante toda esta confusão, ele pouco se incomodou com o fato, deixando todos e indo comer algumas uvas, revelando uma de suas características: o sadismo.
Imagem 14 – Canibalismo de outono – óleo sobre tela, cu x 65,2 cm – 1936.
Durante a fase infantil Dali gostava de submeter os bichos domésticos à flagelação, ele costumava torturar estes animais quando estavam machucados, colocando seus ferimentos em formigueiros, pois desfrutava de imenso prazer ao ver o sofrimento destes, quando suas feridas ficavam repletas de formigas.
Imagem 15 – Aranha da noite ... esperança – óleo sobre tela, 40,5 x 50,8 cm - 1940.
Para atrair a atenção dos adultos Dali empregava ações masoquistas, jogando-se de vários degraus das escadas, ou derramando sobre o próprio peito o café quente pela manhã, pouco se importando com os ferimentos ou a dor.
Imagem 16 – imagem de Dali apresentada por Fábio Betti - 26 Abril 2011.
Antes dos seis anos Dali já revelava considerável talento artístico pintando os seus primeiros quadros. Suas primeiras produções foram em tampas de papelão retiradas de caixas de chapéu da chapelaria da tia.
A solidão tornara-se para Dali uma obsessão. Ele costumava recolher-se no sótão da casa e permanecia lá por muito tempo, provavelmente, alimentando as suas fantasias para alcançar a genialidade. Ficava muito tempo subjugado por delirantes vôos da sua imaginação, favorecidos pelo próprio egocentrismo, segundo informou aos seus biógrafos.
Imagem 17 – Composição Cubista - Tinta da China e guache sobre cartão – 54,9 x 74,1 cm - 1922-1923.
Quando os pais admitiram o seu talento, mandaram-no passar um tempo na casa de um amigo, Ramón Pichot, um abastado conhecedor de arte, e também pintor impressionista. Os pais queriam contribuir para melhorar a formação artística de Dali.
Imagem 18 – Retrato do vioncelista Ricardo Pichot (feito por Dali) – óleo sobre tela, 61,5 x 49 cm – 1920.
O tempo que Dali permaneceu com esta família foi de forte influência artística. Neste período ele desenvolveu grande parte das suas fantasias eróticas, presentes nas suas composições surrealistas posteriores.
Quando se referia à engrenagem do moinho da casa de Pichot, enfatizava sua forte atração referente à torre. Aquele local era considerado por Dali como um espaço sagrado, assemelhado ao centro do seu mundo.
Imagem 17 – A horta de Llané – óleo sobre tela, 40 x 50 - 1920-1921 e Grande masturbação planar que aparece atrás das arcadas – óleo sobre. cobre, 14 x 19 cm – 1981.
Neste período, todos os dias pela manhã Dali cumpria um dos seus ritos que principiava. Uma fantasia exibicionista na presença da empregada doméstica da casa derramava sobre o próprio peito uma caneca com leite com café muito quente. Com este procedimento ele atraia a atenção da doméstica, e vivenciava a sensação masoquista da dor, afirmando que gostava muito.
Imagem 20 – O menino doente, auto retrato – óleo e guache sobre cartão – 57 x 51 cm – 1923.
Em seguida o seu ritual exigia uma visita ao estúdio, que ficava localizado no topo da casa, espaço destinado para ele pintar. Trabalhando nas suas produções pictóricas realizava invenções e reinvenções do impressionismo, fazendo nascer e renascer a própria estética megalomaníaca, como afirmou em seus depoimentos.
Imagem 21 – Eco morfológico – óleo sobre madeira, 65 x54 cm – 1934 – 1936.
Antes de deixar a casa do amigo Pichot, encontrou num baú que estavam na torre do celeiro, uma coroa de metal e uma velha muleta. Esta descoberta foi sentida como muito excitante, pois imaginava que a coroa e a muleta estavam carregadas de fetiche, e com isto queria explorar melhor os seus significados.
Ainda neste período conheceu uma mulher de opulentos seios. A atração favoreceu nele uma fixação furtiva nestes seios, levando-o a fantasiar os mesmos espetados na parte superior de uma muleta.
Imagem 22 – O sinal de angústia - óleo sobre madeira, 22,2 x 16,5 cm – 1934.
Para concretizar a sua fantasia buscou várias artimanhas, encontrou alguns melões maduros no pé, apanhando dois que foram enterrados pela parte mole e carnuda na muleta. O melão começou a escorrer e pingar seu sumo sobre Dali, cobrindo-o com a doçura da fruta, simbolizando o leite da sua fantasia.
Imagem 23 – O espectro e o fantasma - óleo sobre tela, 100 x 73 cm – 1934.
Esta muleta foi a fonte dos prazeres clandestinos, que nunca deixou de acompanhar o artista. Ela apareceu como motivo fundamental, usado e transformado na sua pintura. Foi como o fruto da sua obsessão.
Dali afirmava que neste contexto artístico teve o seu primeiro contato com a teoria da estética antiacadêmica e revolucionária.
Neste texto, com linguagem direta e sem sofisticação, apresentei os primeiros anos vivenciados por Dali e utilizei imagens realizadas pelo artista durante a sua existência, associadas às experiências na infância e adolescência.
Bibliografia utilizada:
DALI, Salvador - VIDA SECRETA DE SALVADOR DALÍ - Figueres, Gerona: Dasa Edicions, 1981.
DALI, Salvador - DIARIO DE UN GENIO - Barcelona: Tusquets Ediciones, 1984.
DALÍ, Salvador y PARINAUD, A - CONFESIONES INCONFESABLES - Barcelona: Editorial Bruguera, 1975.
DESCHARNES, Robert e NÉRET, Gilles - SALVADOR DALI 1904-1989 - A OBRA PINTADA 1904-1946 - Germany: Benedikt Taschen, 1997.
GIBSON, Ian – LA VIDA DESAFORADA DE SALVADOR DALI – Barcelona: Anagrama Editorial, 1998.
LOW, Adam – SALVADOR DALI – Filme: Visual na Arte, Madrid: Visual Ediciones, 1994.
MADDOX, Conroy - SALVADOR DALI 1904-1989: O GÊNIO EXCÊNTRICO - Germany: Benedikt Taschen, 1993.
NÉRET, Gilles - SALVADOR DALI 1904 - 1989 - Germany: Benedikt Taschen, 1996.
PAUWELS, Louis - LES PASSIONS SELON DALI - Paris: Denoël Ed., 1968.
Sites da Internet:
ROUMEGUÈRE, Pierre – O MITO DIOSCÚRICO E ESTÉTICO DE DALI – http:www.galeon.com/xcient/canibalismo.html ( consultado em 02-11-2006)
ROUMEGUÈRE, Pierre – CANIBALISMO Y ESTÉTICA: del canibalismo paranóico de la gastro-estética –
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